sexta-feira, agosto 30, 2013

Eduardo Saboia, o menino que seguiu os passos do pai

Por Maiá Menezes e Maria Lima 

Um policial em fuga bate à porta da embaixada brasileira na Guatemala, pedindo abrigo. Dizia-se perseguido pelo governo, acusado de ser “comunista”. O diplomata encarregado de Negócios decide abrigá-lo. Durante uma semana, mantém o refugiado em casa (o embaixador havia deixado o país, ameaçado de sequestro), sob o olhar da mulher e dos dois filhos. Entre eles, Eduardo Saboia. O ano era 1975. O atual ministro, ex-encarregado de Negócios na Bolívia, afastado das funções ao se responsabilizar pela ação de fuga do senador boliviano Roger Pinto Molina (asilado há 15 meses na embaixada brasileira em La Paz) tinha então sete anos.
— Não tenho certeza se o Eduardo se lembra disso. O policial apareceu na chancelaria e entregou um revólver, dizendo-se ameaçado de morte. Eu fiquei sem saber o que fazer. Peguei ele, botei no carro e levei para casa. Esse policial ficou lá. Imagina o perigo. E o Itamaraty não me dava instruções. Quando deu, o homem já tinha fugido. Naquele tempo era ditadura aqui e lá. Era improvável que fosse concedido asilo. Mas assim mesmo eu não quis deixar de tentar salvá-lo — lembra Gilberto Vergne Saboia, pai de Eduardo, admirado com a coincidência dos casos, com desfechos e repercussões distintas.

Não havia pista de que Eduardo, carioca, seguiria os passos do pai. Ao acompanhar a família, entre outros postos, para Washington e Genebra (onde o jovem estudante se formou no College Caparéde), aprendeu francês e espanhol. O inglês veio das aulas na Escola Americana, que frequentou nos tempos em que Gilberto servia em Brasília. Na passagem pela Suíça, a veia artística pulsou: fez teatro, se tornou fã do que havia de mais vanguardista, o teatro do absurdo, e deixou na família a impressão de que se tornaria um intelectual, apaixonado que sempre foi por Literatura.

Na volta ao Brasil, no entanto, aos 18 anos, procurou pouso para começar a trilhar o caminho da diplomacia. O destino seguinte dos Saboia seria Washington. Mas a partir daí, Eduardo decidiu morar sozinho (com ajuda financeira da família), em Brasília, para estudar Direito.
No concurso que fez para o Instituto Rio Branco, ainda no terceiro período da UnB, passou em primeiro lugar. Uma de suas colegas, agora professora da Universidade, enviou mensagem a Gilberto ontem dizendo que o caso do filho seria, hoje, tema de uma aula sobre asilo político em sua turma de Direito Internacional.

Católico fervoroso, entre as reações de fãs nas redes sociais está o pedido por correntes de orações para o diplomata , Eduardo desenvolveu o fervor da fé já adulto. O pai suspeita que houve alguma influência da mãe. Mas diz que a profundidade do sentimento religioso surgiu já depois de casado. Na entrevista publicada nesta quinta-feira, no “Globo”, o diplomata diz que precisa de “muitas orações”. E, ao explicar a operação de fuga de Roger Molina, aifrmou ter “ouvido a voz de Deus”.
A religiosidade teria sido, então, decisiva na resolução de assumir os riscos e planejar a fuga do senador, com quem conviveu por um ano, em situação cada vez mais dramática?

— Pode ter tido influência sim, porque ele tem essa questão espiritual bem forte. Mas ele não agiu assim de forma quixotesca. Antes, advertiu muito o chefe dele (Patriota), que foi também punido. O que espero é que o bom senso prevaleça.

De domingo para cá, Eduardo só se arrependeu de uma coisa: ter comparado a situação vivida pelo senador, trancado em um quarto, por 15 meses, com o DOI-Codi, o que provocou forte reação da presidente Dilma Rousseff. Não achou ter sido feliz na referência que fez.
A trajetória de Saboia, o filho, inclui passagens por postos no Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial. A amizade com a família do atual ministro da Defesa, Celso Amorim, levou Eduardo a trabalhar por cinco anos como assessor do ex-chanceler do governo Lula. Ontem, Dilma disse que o ministro prestará esclarecimentos sobre a fuga de Roger Pinto Molina, que teve a escolta de dois fuzileiros navais.

Enquanto convivia com a situação insustentável do senador boliviano nas dependências da embaixada, nos últimos oito meses Saboia se dividiu entre La Paz e Oruno, onde 12 brasileiros, torcedores do Corinthians, foram presos pelo envolvimento na morte do adolescente Kevin Espada durante um jogo pela Taça Libertadores.
Na luta para provar a inocência dos prisioneiros, o embaixador interino viajou oito vezes a Oruro. Como negociador junto às autoridades bolivianas, queria ver de perto e tentar ajudar tanto os conterrâneos em situação de muita precariedade na prisão, como levar solidariedade à família de Kevin Espada. Numa das visitas, chegou a comprar com seu dinheiro itens básicos para amenizar o dia a dia dos brasileiros na prisão.
— O ministro Saboia comprou e levou para a gente colchões e cobertores. E sempre dizia uma palavra de conforto para nos acalmar. Dizia que faltava pouco para a gente sair. Ele foi fundamental para a gente conseguir sair — relembrou ontem o corintiano Cléber Souza Cruz.

Eduardo Saboia falava com a família no Brasil quase diariamente sobre o drama que vivia com o asilo do senador boliviano. O pai chegou de Genebra no dia 18, com a ideia de visitar o filho em La Paz. Nos dois últimos natais, Gilberto e Maria Helena se juntaram a Eduardo e sua família em Santa Cruz de la Sierra. O ministro é casado com uma oficial da chancelaria que atua em Santa Cruz, e tem três filhos, de 15, 17 e 20 anos. O mais velho, André. mora e estuda em Fortaleza, no Ceará, e é um dos entusiastas divulgadores das duas fanpages pró-Eduardo, abertas ontem e anteontem em favor do diplomata. Até o fim da tarde desta quinta, já havia 3.500 fãs do ministro. “Vamos lá, pessoal. Vamos mostrar ao Brasil e ao pessoal das redes sociais como meu pai foi corajoso, sábio e acima de tudo um herói”, diz ele, via Facebook. Os três seguem em Santa Cruz, porque “sair de lá só iria piorar a situação da família”, diz Gilberto.
— Eu gostaria de ter ido antes. No dia 18 cheguei de Genebra. Estava preocupado com o Eduardo lá sozinho, o embaixador foi chamado para o Brasil. Fui supreendido com a chamada dele de Corumbá, muito emocionado, tenso, desabafando, conta Gilberto, que relata ter percebido um tom crescente de preocupação do filho, nos relatos sobre a situação do senador boliviano:
 — Não havia um esforço político para vencer essa dificuldade. E a situação foi se agravando. E havia também umas ambiguidades no ar. O governo boliviano dizia: o Brasil sabe o que deve fazer, diz o pai, que chegou hoje a Brasília para dar assistência maior ao filho.

O desfecho do caso preocupa a família de Eduardo:
— A Constituição, todos os nossos compromissos internacionais e o fato de termos dado asilo a esse senador não podem ser ignorados. Agora, dizemos à Bolívia: “Evo Morales, nós gostamos muito de você, e da Bolívia, vamos cooperar em várias áreas, mas a decisão é essa”, avalia Gilberto que diz, no entanto, temer pelo carreira do filho dentro da diplomacia.

A escolha do posto de trabalho na Bolívia foi feita pelo casal, já que facilitava a logística da família. E transformou a rotina de Eduardo. Decidiu praticar esportes radicais. Subia montanhas de até quatro mil metros. Explicava aos amigos e à família que a prática fazia o organismo se adaptar à desconfortável altitude boliviana.

Como chefe da missão parlamentar do Senado, em março, o senador Ricardo Ferraço (PMDB-PR), teve o primeiro contato com Saboia. Disse ter voltado ao Brasil impressionado com a maneira com que o ministro conselheiro agia em defesa do Brasil e dos presos. Saboia também atuou junto a presos brasileiros na fronteira da Bolívia com o Acre, quando aproveitou para visitar e dar apoio a imigrantes haitianos que aportaram em várias cidades da fronteira. Em 2010, o diplomata foi condecorado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a medalha da Ordem do Rio Branco, no grau de Grande Oficial.
— O ministro Saboia parece frágil, tem uma fala mansa e serena, mas é um gigante. Não se curva a qualquer interesse que não seja a Justiça e Direitos Humanos. A fuga, movida pela solidariedade humana e pela indignação, foi sua última porta de saída, diz o senador Ferraço.

A fala mansa e a vida de leigo religioso, no entanto, não camuflam a agenda social do diplomata. Com os filhos e a mulher grande parte do tempo em Santa Cruz de La Sierra, tem o dia cheio de atividades.
— Ele tem uma casa muito simpática lá em La Paz. Compensava a solidão dele tomando aulas de violão, guitarra clássica, fazia ginástica, corrida, montanhismo, um certo exagero, ralha Gilberto.


 

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