segunda-feira, maio 20, 2013

CENSURA BURRA

Na quarta-feira, 15, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu manter a proibição do engenheiro agrônomo Ricardo Fraga Oliveira, de 49 anos, de se manifestar nas redes sociais contra um empreendimento imobiliário na Vila Mariana, zona sul ...de São Paulo. Oliveira foi proibido de mencionar o assunto em suas páginas online e de circular no quarteirão da obra. Seu perfil no Facebook segue fora do ar. A determinação levanta, mais uma vez, a discussão sobre liberdade de expressão na internet no Brasil.
Em junho de 2011, Oliveira iniciou o movimento O Outro Lado do Muro para questionar o uso de uma área de 10 mil metros quadrados para a construção do Ibirapuera Boulevard. No muro do terreno, ele colocou uma escada para que as pessoas olhassem por cima e opinassem sobre o uso do espaço. "Nossa ideia não era parar obra nenhuma, era fazer uma reflexão sobre a ocupação do espaço urbano", diz Oliveira.
A construtora Mofarrej afirma que as manifestações afugentavam clientes e as publicações no Facebook eram ofensivas e caluniosas. "O direito de expressão tem um limite, pois há o direito da empresa de livre iniciativa", afirma Daniel Sanfins, advogado da empresa.
O caso retorna agora à primeira instância. "Essa decisão pode abrir um precedente perigoso para a liberdade de expressão, pois a limita de forma muito forte", diz Renato Silviano, advogado de Oliveira.
Decisões envolvendo a retirada de conteúdo online são recorrentes no País, mas proibir um cidadão de se manifestar na internet ainda é um campo novo. No mês passado, o advogado Cassius Haddad, de Limeira (SP), processado por ofender o promotor Luiz Bevilacqua e fazer críticas ao Ministério Público no Facebook, foi proibido de acessar redes sociais, sob pena de prisão preventiva. Após duas semanas, foi liberado a usar a internet, mas ainda não pode mencionar o Ministério Público nem o nome de Bevilacqua.

Lei
Não há legislação específica para tratar da liberdade de expressão na internet no País, o que faz com que os critérios de decisão pareçam, por vezes, nebulosos. O Marco Civil da Internet, projeto de lei que surgiu há três anos com o objetivo de regular temas como liberdade de expressão online e privacidade, está parado no Congresso.
No Brasil, a Justiça tem entendido que provedores como Google e Facebook precisam remover o conteúdo ao serem notificados. As decisões judiciais, de maneira geral, dizem que é responsabilidade das empresas avaliar as reclamações.
No ano passado, o Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul ordenou a prisão do diretor de operações do Google no Brasil, Fabio Coelho, por não retirar do ar vídeos do YouTube que atacavam o candidato a prefeito de Campo Grande Alcides Bernal (PP). A área eleitoral é um dos pontos mais críticos. No segundo semestre de 2012, o Brasil fez ao Google 697 pedidos de remoção de conteúdo. Quase metade (316) se baseava no Código Eleitoral.
"Muitas vezes a Justiça censura opiniões pois entende que ofendem a reputação de alguém e, com isso, abafam críticas de relevância social. Mas opiniões e críticas são protegidas no Direito Internacional", diz a advogada Camila Rodrigues, da ONG Artigo 21, que defende a liberdade de expressão.
Bruno Magrani, pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-Rio, diz que o problema não é a falta de legislação. "O problema é a forma com que o Judiciário interpreta a liberdade de expressão no Brasil. Existe um entendimento de que ela é um valor menor." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Anna Carolina Papp / Agência Estado

domingo, maio 19, 2013

Um bauruzinho entre a vida e a morte

Por Lula Falcão
www.lulafalcao.com.br

Pois estou aqui parado, sem crédito para o celular, sem dinheiro para a passagem, sem um tostão para um bauruzinho de cinco reais. Almoço bauruzinho com Coca-Cola há muitos meses. Nem isso, hoje. O mais complicado é que não vivo entre miseráveis, mas no seio desta classe média tão cheia de exigências e padrões. Passo longe da mesa daquele bar, ali na frente, perto da farmácia, onde meus amigos estão sentados, tomando cerveja. Cansei de dizer “estou sem grana”; eles se cansaram de dizer “Ok, a gente paga”.
Tem pessoas que se acostumam a tais situações. Eu me revolto, mas só por dentro, não culpo a política do governo. Fico só naquela: por que esse desgraçado incompetente ganha uma fortuna e eu estou na merda? Não é inveja. Fiz faculdade, já tive um carro e viajei pelo mundo. Um dia deu tudo errado e dias errados se repetem até hoje. Tento. Mandei meu currículo para diversos lugares. Não há vagas. O emprego cresce no País e eu diminuo. Nem me lembro do último filme que vi no cinema. Também não culpo Deus. Nem acredito em Deus. Minha vizinha disse que é isso. Quem não acredita se fode. Aliás, na semana que vem não haverá mais vizinha – estou sendo despejado.
 
Por enquanto, só pinga algum quando aparece um trabalho eventual, free-lance, faço quase tudo, mas minha última especialidade é escrever teses de mestrado para filhos da puta que vão se dar bem na vida. Fico pensando: o cara vai ganhar o emprego que seria meu. O texto é meu, as ideias são minhas e até a encadernação é por minha conta. Tem ainda uma consultoria básica. Às vezes, o sujeito quer uma tese sobre a influência de X sobre Y e digo que é o contrário e ele aceita. Não pagam por isso.

Já havia passado por problemas financeiros, mas passar fome é demais. Nunca imaginei chegar a este ponto até cavoucar os bolsos, não encontrar nem moedas e engolir o seco como almoço. Perguntam se tenho família. Ora, tenho, muita gente, mas cada um está preocupado com seus próprios problemas, sempre maiores do que o meu. Pelo menos é assim quando ia pedir mais cem emprestados à minha tia, planejando arrodeá-la com elogios para depois dar o bote. Não funciona muito. Quando me vê, ela já começa a contar miséria e dar conselhos. “Por que você não faz um concurso?”, sugere titia. “Não quero ser funcionário público”, respondo. “Desse jeito, então, fica difícil”, arremata a velha. Sempre.
Na última segunda-feira, saí de casa decidido a resolver meus problemas. Pensei nas opções, mesmo em assaltar um banco, mas sou cheio de pruridos e a alternativa mais em conta seria me matar. Fiz os procedimentos, escolhi os objetos precisos e escrevi o tal bilhete. Muito grande, detalhista ao extremo, mas tinha suas qualidades. Pois morri e no mesmo minuto acordei, no mesmo canto, olhando para o mesmo bar defronte à farmácia e lamentando a falta de dinheiro. Não havia a sensação de ter virado fantasma. A sensação era de ineficácia da morte, nem ela resolveria meus problemas. De fato, ninguém notou que morri, foi rápido, apagão geral, e os comprimidos – tomei quatro cartelas, vencidas – me deixaram ainda mais melancólico e desgostoso com o mundo. O que fazer? Morrer de novo, brincando de eterno retorno, voltando sempre para a porcaria de sempre?
E agora?
Tornei-me um personagem inverossímil, sem muito espaço para manobras, uma vez que movimentos em falso produzem o total desando do texto, e seria prudente dar à minha morte a categoria de desmaio. Não sei ainda. Outro problema é começar com um drama da classe média e terminar nos jardins do Éden. Falta espaço para descrever as coisas do céu e do inferno, ou chupar histórias de Bulgakov, sobre o gato falante que fuma charuto e faz parte da comitiva do diabo.
No fundo, essa mania de metalinguagem é o meu horror. Nem posso morrer, nem comer e as outras saídas são absurdas. Criou-se aqui uma área de estagnação, um beco sem saída, um mato sem cachorro - apenas em nome de uma solução literária sem futuro. Fato e ficção se misturam. Talvez eu seja outro narrador – o primeiro eu matei - ou talvez eu enverede pela história do cara que morre e seus pensamentos ficam gravados num HD externo. Pode ser uma alegoria - "Morrer é mudar de corpo como os atores mudam de roupa" (Plotino)- ou uma história espírita, de reencarnação imediata, um plano de renascimento sem carência. Seja lá o que for, foda-se, não vou exigir muito. Meu estômago está roncando. Agora, só quero um bauruzinho.
 
Lula Falcão é jornalista e escritor, atuou em algumas das principais redações do País – O Globo, Veja e o Estado de S. Paulo. É co-autor de Frevo – 100 anos de Folia e autor de Todo dia me Atiro do Térreo e Iberê, segundo Paulo (ficção).

quinta-feira, maio 16, 2013

A MP DOS PORCOS


Por Agamenon Mendes Pedreira
(Do BLOG do Agamenon)

Alegria de palhaço é ver o Congresso pegar fogo ! Ninguém se entende na Câmara Indiscreta dos Deputados. Governistas fiéis corneiam o governo à céu aberto, na frente das crianças sem o menor pudor. A TV Câmara o dia inteiro exibe cenas de sacanagem explícita que deixam o canal erótico Sexy Hot parecido com o Cartoon Network. O deputado Garotinho aproveita a sua condição de “di menor” para cometer as maiores barbaridades no plenário já que está sobre a proteção do Estatuto do Menor e do Adolescente. Os deputados estão revoltados porque agora estão sendo obrigados a trabalhar o dia inteiro e até varar à noite pela madrugada adentro o que contraria os hábitos indolentes do político brasileiro. Era muito melhor no tempo do mensalão: já estava tudo pago!

E esse quiprocó todo só está acontecendo por conta da MP (Metida Provisória) dos Portos que pretende modernizar os atrasados portos brasileiros. Eu tenho o maior interesse neste assunto já que Isaura, a minha patroa, ganha a vida fácil no cais do porto. A minha cara metade (e bota cara nisso) foi obrigada a defender o “leitinho quentinho” das crianças depois que eu fui “afastado” de O Globo, por razões misteriosas que já se tornaram lenda suburbana.
A vida nas docas é muito difícil e eu sei bem como é isso. Na minha infância, minha mãe se produzia toda noite e ia para a beira do cais defender algum qualquer por fora (e por dentro também). Eu não sei bem o que a velha fazia, mas acho que ela devia ser estivadora porque estava sempre com um saco nas costas.

Agamenon Mendes Pedreira, assim como a Angelina Jolie, está pensando em extirpar uma parte de sua anatomia e dar pro cachorro

segunda-feira, maio 13, 2013

Vamos tocar caxirola, irmão

Por Fernando Gabeira (ESTADÃO 10/05/2013)
 
Na economia, a galinha pousou e ainda cacareja com estridência, sob o impulso do contato com o
solo. Na política, o edifício dominante começa a mostrar suas rachaduras. O PSB, por meio de Eduardo Campos, parte para a carreira solo; dentro do governo, tremem os alicerces da fraternidade.
Alguns petistas acham que Dilma Rousseff, com os olhos verdes desenhados para a nova temporada, protege Erenice Guerra, seu ex-braço direito, e o ministro Fernando Pimentel. Em contrapartida, Dilma, segundo eles, persegue Rosemary Noronha e mantém certa frieza ante os condenados pelo mensalão. É um delicado tipo de fissura. Os acusados amigos de Lula são tratados com rigor, os acusados amigos de Dilma seguem sua trajetória milionária. Erenice é um pouco, no governo Dilma, o que foi José Dirceu no governo Lula: ela articula inúmeros negócios na área de eletricidade, representa poderosos grupos estrangeiros.
A essência dessa intrincada luta interna não é estranha à História do Brasil: ou todos se locupletam ou restaure-se a moralidade. O ideal é de que todos se locupletem, não exista nenhuma distinção entre trambiqueiros da cota de Lula e da cota de Dilma. São todos irmãos, bro.
Como se não bastassem os ácidos humores internos, a aliança do governo embarcou numa aventura contraditória. O PT quer se vingar do Supremo Tribunal Federal (STF). O PMDB pede paz. Por que tanta briga, se podemos continuar comendo de mansinho?
O embate contra o STF era previsível. E não só pelas tintas bolivarianas que ainda colorem os sonhos da esquerda no poder. A tese de que o mensalão nunca existiu não deixa margem de manobra. É preciso desarticular o Poder que escreveu a narrativa do episódio. O edifício está condenado pela Defesa Civil. No entanto, a experiência das andanças pelas áreas de risco mostra que um edifício condenado nem sempre cai ou é abandonado pelos ocupantes.
Surge aí o papel da oposição. Será capaz de se unir, apresentar uma alternativa, enfrentar a dura luta cotidiana contra um esquema que estendeu seus braços como um polvo, abraçando tudo o que lhe oferece ainda alguma resistência?
Vamos tocar caxirola, irmão. Chegamos aos grandes eventos esportivos, uma aventura do novo Brasil mostrando ao mundo sua capacidade de organização, sua pujança. O edifício vizinho, o da cúpula esportiva, está literalmente ruindo. João Havelange deixou a presidência da honra da Fifa, em segredo. Ricardo Teixeira gasta seus dólares em Miami. Sobrou apenas José Maria Marin, enrolado com gravações em que estigmatiza Vladimir Herzog e prega em defesa da família brasileira.
Alguns patriotas que defendem a família costumam pintar os cabelos e beliscar a bunda das secretárias, em Brasília. Marin só pinta os cabelos e rouba medalhinhas em eventos esportivos. É inútil esperar que as tribos de cabelo acaju e negro como as asas da graúna entrem em conflito mortal, numa batalha que tinja a verde grama da Esplanada.
Vamos tocar caxirola! Soldados vestidos com capa de chuva protegerão nossa sinfonia na seca de Brasília, em estádio que nos custou os olhos da cara.
A aventura política parte do mito de que somos os melhores no futebol. Os alemães, entre outros, têm mostrado como o nosso esporte precisa de uma renovação de craques, técnicos e dirigentes. Quando o edifício da cúpula esportiva cair, e com ele o mito de que somos os maiorais, vamos jogar caxirola, irmão. O impacto se fará sentir no outro edifício condenado.
A caxirola é uma granada de plástico que explode no chão fazendo ploft. Toda uma tentativa de driblar a História, de transitar pelo atalho do consumo na economia, de trilhar os caminhos revoltantes do cinismo na política será reduzida à sua verdadeira dimensão.
O Rio de Janeiro tem três prédios conhecidos como “balança, mas não cai”. Estão ali para lembrar que as previsões só se podem cumprir se houver uma vontade ampla de achar outros rumos para o País. O edifício pode não cair no próximo teste. Nosso único consolo será ver a presidenta do Brasil tocando de novo sua caxirola, símbolo de uma visão de mundo, de povo, de festa: caxirola, cartolas, a base do governo, tudo com mordomos a R$ 18 mil e garçons a R$ 15 mil por mês. E concluir, resignadamente: venceram, mas da próxima não escapam.
A caxirola passa, o Brasil segue em frente. No momento, a política aparece como uma espetáculo distante e ridículo. Não por caso os programas humorísticos montaram tenda no Congresso. Mas o ano eleitoral necessariamente trará um debate sobre os rumos do País. Já devia ter começado, no momento surgem apenas alguns slogans.
Eleições podem ser uma armadilha. Cortinas de fumaça costumam dar mais votos do que argumentos sérios. Quase ninguém lê programa. Debates na TV, entrevistas ajudam a conhecer as perspectivas dos candidatos, mas ensinam um pouco também sobre o que as pessoas estão pensando sobre o País. Mas as eleições serão uma excelente oportunidade para tomarmos o pulso do Brasil, esperando constatar, como na canção, que o pulso ainda pulsa.
Vivemos grandes alianças ao longo do processo de democratização: a luta pelas diretas, o impeachment de Collor. Depois foi a vez dos dois grandes partidos experimentarem o poder. O governo Fernando Henrique Cardoso construiu as bases para a estabilidade econômica e a bonança internacional inspirou o PT a dinamizar o consumo.
Em 2008 a crise internacional instalou-se para lembrar que as coisas não seriam mais como antes. E nos colheu ainda com uma educação medíocre, uma infraestrutura tosca e uma gigantesca e dispendiosa máquina administrativa. Para agravar nossos custos, a imensa corrupção, vendida como um mal necessário, uma pequena taxa no banquete do consumo.
Isso já era realidade em 2010. Dilma Rousseff pegou o bonde andando e manteve o rumo, indiferente ao fim da linha. Ela troca com regularidade a cor dos olhos. Mas não consegue ver outro caminho.

* Fernando Gabeira é jornalista.
 

Uma copa cheia de lixões

Por Agostinho Vieira
A escalação da seleção que entrará em campo na abertura da Copa do Mundo, dia 12 de junho, ainda não é conhecida. É natural. O técnico Felipão tem dúvidas em várias posições e muita coisa pode acontecer até lá. Já do ponto de vista ambiental, é possível ter algumas certezas sobre o que veremos daqui a 400 dias. Uma delas é que continuaremos convivendo com os famigerados lixões que cercam o país.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada em 2010, depois de vinte anos de discussões, estabelece que até o dia 2 de agosto de 2014, mais ou menos vinte dias após a grande final da Copa, todos os lixões a céu aberto, vazadouros e afins deverão ser desativados. Os prefeitos que não cumprirem a lei podem ser processados por improbidade administrativa e perderem os seus direitos políticos.
No entanto, pelo andar da carruagem, tudo indica que nem os lixões serão fechados, pelo menos grande parte deles, nem os prefeitos serão punidos. Vale ressaltar que a expressão “andar da carruagem” usada aqui não é só um lugar comum. Mas uma alusão à lentidão com que as leis são aplicadas no Brasil. Mesmo as boas. Na semana passada, a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) anunciou que já está negociando com o Congresso e com o governo federal uma prorrogação do prazo para a destinação correta do lixo. Na verdade, reivindicam prazos diferentes de acordo com a realidade de cada cidade.
O prefeito de Porto Alegre, José Fortunati (PDT), atual presidente da entidade, diz que, para grande parte dos municípios brasileiros, será impossível cumprir a lei. Fortunati usa um argumento bastante curioso, mas que simboliza bem o nosso jeito de fazer política. Segundo ele, 72% dos prefeitos vitoriosos nas eleições de 2012 não estavam no cargo quando a PNRS foi aprovada. Logo, eles não poderiam ser responsabilizados pela omissão dos seus antecessores.
Por este raciocínio torto, leis que afetem a vida das cidades só deveriam entrar em vigor no dia da posse dos prefeitos. O mesmo valeria para governadores e presidentes. Se não aconteceu no meu horário de trabalho não é culpa minha. Enquanto isso, 50% dos municípios continuam jogando o lixo em terrenos baldios, sem nenhum tipo de cuidado. Esse índice chega perto de 90% nas regiões Norte e Nordeste e supera os 70% no Centro-Oeste. No Sul e no Sudeste, o número de cidades varia entre 15% e 18% do total. São quase três mil lixões no Brasil. Não é preciso ser especialista para identificar a contaminação que isso provoca nos rios, no solo e no ar. Sem falar nas doenças. Um problema que deveria ser resolvido com urgência. Mas não é.
A lei estabelecia que até agosto do ano passado as prefeituras deveriam ter criado os Planos de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos. Um conjunto de regras e normas sobre como recolher, tratar e destinar o seu lixo. Incluindo programas de reciclagem e talvez até aproveitamento energético. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, só 20% das cidades fizeram o seu dever de casa.
Sem esses planos, os prefeitos não conseguem obter financiamento público para projetos de gestão de resíduos. Mas isso não parece ter mobilizado ninguém. Agora, o governo fará uma nova chamada para os municípios que perderam o prazo. Promete ajudar, discutindo caso a caso. A maioria alega falta de dinheiro e de gente qualificada para fazer o serviço.
Faz sentido. Mas falta também uma boa dose de vontade política. É muito mais barato para um governante contratar um caminhão velho e jogar o lixo em qualquer lugar longe dos olhos dos eleitores do que investir em aterros sanitários e em reciclagem. Ações que dão muito trabalho e pouco voto. Apesar disso, é difícil encontrar alguém que seja contrário à PNRS. Pelo menos publicamente.
Trata-se de uma lei óbvia e necessária, mas que envolve muita gente. Ela atribui tarefas para o poder público, como acabar com os lixões, fazer campanhas educacionais e criar centros de triagem. Muda a vida das empresas, estabelecendo o conceito de logística reversa que as torna responsáveis por recolher o lixo que produzem. Garante até o trabalho dos catadores, atores fundamentais nesta novela.
Para o cidadão, sobraram duas funções. A primeira é bem simples: separar o lixo. De um lado, papel, plástico, vidro e metais. Do outro, resíduos úmidos, restos de comida e de jardins. A outra atribuição é a de cobrar. Exigir o cumprimento da lei. Se nada acontecer, resta esperar. Afinal de contas, quem esperou vinte anos para ver a lei ser aprovada, pode esperar mais dez ou vinte para que ela entre em vigor.
Agostinho Vieira
Diretor de jornal e rádios das Organizações Globo, também é blogueiro e colunista em assuntos de meio ambiente.