Por Agostinho Vieira
A
escalação da seleção que entrará em campo na abertura da Copa do Mundo, dia 12
de junho, ainda não é conhecida. É natural. O técnico Felipão tem dúvidas em
várias posições e muita coisa pode acontecer até lá. Já do ponto de vista
ambiental, é possível ter algumas certezas sobre o que veremos daqui a 400
dias. Uma delas é que continuaremos convivendo com os famigerados lixões que
cercam o país.
A
Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada em 2010, depois de vinte
anos de discussões, estabelece que até o dia 2 de agosto de 2014, mais ou menos
vinte dias após a grande final da Copa, todos os lixões a céu aberto,
vazadouros e afins deverão ser desativados. Os prefeitos que não cumprirem a
lei podem ser processados por improbidade administrativa e perderem os seus
direitos políticos.
No
entanto, pelo andar da carruagem, tudo indica que nem os lixões serão fechados,
pelo menos grande parte deles, nem os prefeitos serão punidos. Vale ressaltar
que a expressão “andar da carruagem” usada aqui não é só um lugar comum. Mas
uma alusão à lentidão com que as leis são aplicadas no Brasil. Mesmo as boas.
Na semana passada, a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) anunciou que já está
negociando com o Congresso e com o governo federal uma prorrogação do prazo
para a destinação correta do lixo. Na verdade, reivindicam prazos diferentes de
acordo com a realidade de cada cidade.
O
prefeito de Porto Alegre, José Fortunati (PDT), atual presidente da entidade,
diz que, para grande parte dos municípios brasileiros, será impossível cumprir
a lei. Fortunati usa um argumento bastante curioso, mas que simboliza bem o
nosso jeito de fazer política. Segundo ele, 72% dos prefeitos vitoriosos nas
eleições de 2012 não estavam no cargo quando a PNRS foi aprovada. Logo, eles
não poderiam ser responsabilizados pela omissão dos seus antecessores.
Por este
raciocínio torto, leis que afetem a vida das cidades só deveriam entrar em
vigor no dia da posse dos prefeitos. O mesmo valeria para governadores e
presidentes. Se não aconteceu no meu horário de trabalho não é culpa minha.
Enquanto isso, 50% dos municípios continuam jogando o lixo em terrenos baldios,
sem nenhum tipo de cuidado. Esse índice chega perto de 90% nas regiões Norte e
Nordeste e supera os 70% no Centro-Oeste. No Sul e no Sudeste, o número de
cidades varia entre 15% e 18% do total. São quase três mil lixões no Brasil.
Não é preciso ser especialista para identificar a contaminação que isso provoca
nos rios, no solo e no ar. Sem falar nas doenças. Um problema que deveria ser
resolvido com urgência. Mas não é.
A lei
estabelecia que até agosto do ano passado as prefeituras deveriam ter criado os
Planos de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos. Um conjunto de regras e
normas sobre como recolher, tratar e destinar o seu lixo. Incluindo programas
de reciclagem e talvez até aproveitamento energético. De acordo com o
Ministério do Meio Ambiente, só 20% das cidades fizeram o seu dever de casa.
Sem esses
planos, os prefeitos não conseguem obter financiamento público para projetos de
gestão de resíduos. Mas isso não parece ter mobilizado ninguém. Agora, o
governo fará uma nova chamada para os municípios que perderam o prazo. Promete
ajudar, discutindo caso a caso. A maioria alega falta de dinheiro e de gente
qualificada para fazer o serviço.
Faz
sentido. Mas falta também uma boa dose de vontade política. É muito mais barato
para um governante contratar um caminhão velho e jogar o lixo em qualquer lugar
longe dos olhos dos eleitores do que investir em aterros sanitários e em
reciclagem. Ações que dão muito trabalho e pouco voto. Apesar disso, é difícil
encontrar alguém que seja contrário à PNRS. Pelo menos publicamente.
Trata-se
de uma lei óbvia e necessária, mas que envolve muita gente. Ela atribui tarefas
para o poder público, como acabar com os lixões, fazer campanhas educacionais e
criar centros de triagem. Muda a vida das empresas, estabelecendo o conceito de
logística reversa que as torna responsáveis por recolher o lixo que produzem.
Garante até o trabalho dos catadores, atores fundamentais nesta novela.
Para o
cidadão, sobraram duas funções. A primeira é bem simples: separar o lixo. De um
lado, papel, plástico, vidro e metais. Do outro, resíduos úmidos, restos de
comida e de jardins. A outra atribuição é a de cobrar. Exigir o cumprimento da
lei. Se nada acontecer, resta esperar. Afinal de contas, quem esperou vinte
anos para ver a lei ser aprovada, pode esperar mais dez ou vinte para que ela
entre em vigor.
Agostinho Vieira
Diretor de jornal e rádios das Organizações Globo, também é blogueiro
e colunista em assuntos de meio ambiente.
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